Cotidiano

Idosos abandonados ‘moram’ no hospital

Filhos não querem cuidar dos seus pais, apesar de abandono ser crime que pode dar até três anos de prisão

O Estatuto do Idoso, lei federal, deixa bem claro que a família é a responsável, por isso deve cuidar daqueles que chegam à terceira idade. Mas, em Roraima, aumentou o número de idosos abandonados pelos próprios familiares. Exemplo disso é o que vem acontecendo nas unidades de saúde do Estado.
Só nas duas últimas semanas, o Serviço Social do Hospital Geral de Roraima (HGR) divulgou oito notas solicitando o comparecimento de familiares de idosos que já haviam recebido alta, mas que continuavam no local aguardando os parentes.
Em alguns casos, mesmo com alta médica, os idosos passam semanas no hospital perambulando pelos corredores, à espera dos familiares. A maioria dos abandonados está debilitada e não tem condições físicas para ir embora sozinha. Outros estão em cadeiras de roda e alguns sequer lembram onde moram.
Os idosos fazem do hospital sua nova e, talvez, última moradia. Lá eles se alimentam, tomam banho e ocupam leitos. “O número de idosos abandonados pela família está aumentando aqui. Os próprios familiares abandonam seus velhinhos porque não querem ter trabalho. É triste”, lamentou uma auxiliar de enfermagem do HGR, que preferiu não se identificar.
No Hospital Coronel Mota (HCM), no Centro, médicos e enfermeiros também enfrentam o mesmo problema. Há inúmeros casos de idosos abandonados pela própria família. Como ocorre no HGR, no Coronel Mota os velhinhos também debilitados aguardam os parentes, que geralmente os esquecem.
“É um ato desumano. A família tem que cuidar dos seus idosos, mas muitos são largados à própria sorte. Já houve caso aqui em que o idoso, que sofria de câncer, passou semanas na UTI [Unidade de Tratamento Intensivo] sem receber visita de parentes. A família só apareceu quando ele morreu. Aí liberaram o corpo”, lembrou uma enfermeira.
Na tarde do sábado, a Folha conseguiu conversar com um idoso de 88 anos no HGR. Ele aguardava pelos parentes há uma semana, segundo os servidores. Morador da região do Apiaú, em Mucajaí, município a 55 quilômetros da Capital pela BR-174, Centro-Sul de Roraima, o agricultor aposentado pouco escutava e falava. Ele também sofre do Mal de Alzheimer – esquecimento que pode ser causado pela depressão.
“Não sei, não lembro onde moro. Só sei que é no interior. Espero que minha filha venha me buscar”, disse, em voz baixa. O agricultor pediu para não ser identificado porque estava com vergonha de ter sido abandonado pelos filhos. A mulher do aposentado morreu há dois anos.
Abandono de incapaz dá prisão
O crime para quem abandona o idoso é classificado como abandono de incapaz (quem não tem capacidade de exercer a vida civil de maneira autônoma, não só idosos como crianças e deficientes mentais). A pena é de seis meses a três anos de prisão.
Caso o abandono resulte em lesão corporal grave, a pena pode ser aumentada para até cinco anos. Se, no entanto, a vítima morrer por causa disso, pode chegar a 12 anos. A pena aplicada pelo juiz é aumentada em um terço, caso a vítima seja idosa, alcançando até 16 anos de reclusão.
O Estatuto do Idoso determina a existência de entidades governamentais e não governamentais de atendimento ao idoso. Elas também devem ser responsabilizadas a partir de denúncias, podendo ser somente advertidas ou até proibidas de atender o público idoso. As denúncias contra o abandono dos idosos podem ser feitas no Ministério Público e na Polícia: 190 ou 0800-951000. (AJ)
Estatuto protege quem tem mais de 60 anos de idade
No Brasil existem mais de 17 milhões de idosos, número que dobrou nos últimos 20 anos, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Com isso, aumentaram também os casos de abandono, crime que pode render até três anos de prisão para quem o pratica.
Pela lei brasileira, idoso é a pessoa com mais de 60 anos de idade. O número de ocorrências pode ser ainda maior porque muitas situações caracterizadas como abandono são desconhecidas da maioria da população.
O Ministério Público pode mover ação mesmo sem o consentimento da vítima, como, por exemplo, se o idoso for abandonado em hospitais, casas de saúde e entidades de longa permanência, e não forem supridas as suas necessidades básicas.
Dessa forma, a pessoa que tinha o idoso sob seus cuidados será responsabilizada. E podem ser familiares, enfermeiros ou profissionais domésticos que sejam responsáveis por ele. Se um familiar deixar o idoso sob os cuidados de alguém que comete maus-tratos e o órgão ministerial tiver conhecimento disso, ambos serão responsabilizados. (AJ)